De Diana Pintus
quarta-feira h 18.00 – Botafogo
Não consigo entender porque, mas sempre chego atrasada.
Tinha 18 horas para chegar na hora, poderia ir ontem ou hoje de 10 a 19. Tinha todo o tempo do mundo.
Mas pronto, não deu certo. E aqui estou eu, como sempre, suada, sem fôlego, com muito calor. Fui caminhando, ideia brilhante, então demorei, demais, e quase perdi minha ocasião de me credenciar. Aqui estou eu, em cima da hora, na frente de uma moça bem vestida, gentil, que me olha de uma forma um tanto estranha.
– Como è que è o nome do blog mesmo?
– Storie Paralimpiche.
A moça fica procurando o nome na longa lista de jornalistas normais que irão cubrir o campeonato internacional CAIXA Loterias, evento-teste de natação paraolimpica e inauguração do Estadio Acquatico Olimpico.
As vezes eu só queria ser uma jornalista normal.
Ou então só uma jornalista, e pronto.
Fazer o que for preciso, no momento certo, me organizar melhor. Gastar menos energias, me preocupar meno, ser mais rapida, mais eficiente tambem.
E por um momento, quando eu saio do escritorio com o meu credenciamento na mão até parece que eu sou mesmo isso, uma jornalista como qualquer outra.
Mas não tem como, não sou mesmo. E quando saio na rua logo aquela sensação desaparece. Essa cidade me envolve, e eu me envolvo nela, as vezes atè se parece com a minha. No entanto vem a escuridão e um pouco de medo. Talvez è melhor que eu volte para casa de metro, penso. O metro mais frio do mundo, que nem uma geladeira, quem me dera que abaixassem o ar condicionado aqui dentro. Porèm, como eu não sou uma jornalista comum eu sei que sempre preciso levar um casaco, e levei. Se eu contar para alguèm da minha familia que ando com casaco na bolsa quando fazem 40 graus vão pensar que sou doida mesmo.
Estamos na hora pico, e passam 4 metro sem que eu consiga subir num deles. Quantas vezes jà me perguntaram se o metro do Rio de Janeiro è accessivel? E quantas vezes eu respondi que sim? Agora fico arrependida de ter falado assim, agora que caio nos braços de uma mulher sortuda que conseguiu sentar, com a cabeça debaixo da axila de um homem alto, um adolescente em cima do meu pè direito. Graças a deus que não abaixaram o ar condicionado, ou a gente ia morrer sufocada. Na teoria este è um metro completamente accesivel, na pratica adoraria perguntar isso para o cadeirante que está la no fundo do vagão. Se só tivesse uma forma de chegar até ele…
quinta-feira h 7.00 – Gloria
Amanhã é já hoje. O dia do evento teste. É o primeiro para o qual consigo me credenciar, porque o processo de credenciamento não é tão simples como parece. Na teoria é suficiente preencher um formulário on-line, no site www.acquecerio.com, mas muitas vezes o processo não da certo. E tem vezes que você chega muito cedo ou muito tarde para se credenciar. E então nada, fica de fora.
Amanhã é já hoje. O dia do evento teste. É o primeiro para o qual consigo me credenciar, porque o processo de credenciamento não é tão simples como parece. Na teoria é suficiente preencher um formulário on-line, no site www.acquecerio.com, mas muitas vezes o processo não da certo. E tem vezes que você chega muito cedo ou muito tarde para se credenciar. E então nada, fica de fora.
Ou seja, os jornalistas normais não ficam de fora com facilidade, eu que fico. E agora que as Paraolimpiadas são muito muito perto, já não é mais tão facil como era antes entrevistar atletas fora dos eventos-teste. São precisos tempo e dedicação, e insistir, insistir, insistir. Também porque tem muito mais movimento, por sorte, ao redor dos atletas paraolimpicos, então é facil de entender: as pessoas ficam sem graça em contar a história deles mil e mil vezes, e focam mais nos treinos.
Então saio da minha casa (atrasadissima) muito animada, com o coração cheio de esperança. Vou conseguir trazer minha materia para casa, hoje? Vou conhecer pessoas interessantes? Vai ser divertido? Vou trabalhar bem? Sorrio com confiança. Claro que vou, sou uma jornalista como qualquer outra! Em descer o morro tenho a cara da vitoria, e cumprimento com alegria todas as pessoas que encontro no meu caminho.
Só que a confiança deixa lugar a uma duvida pratica, urgente, enorme: como fazer para chegar no Parque Olimpico? Eu pesquisei ontem a noite no Google Maps, mas…a verdade è que atè eles não abrirem a linha quatro do metro, finalmente, chegar no Parque Olimpico da Barra da Tijuca vai ser algo muito complicado. Ah…pera ai…tem um onibus daqui, o 309, que passa na Rua da Gloria!!
Quem me dera que o motorista parasse na parada, ou pelomenos, chegando perto, diminuisse a velocidade, e assim conseguisse ver os sinais desesperados que eu faço com os braços. Mas enfim, isso não acontece: passa um onibus, e não para. Passa o segundo, e não para tambem. Passa o terceiro e… não para, claro. Acabo ficando a espera dando sinais desesperados uma meia hora.
Isso nunca aconteceria para um jornalista normal.
Um jornalista normal já teria parado um táxi.
Porque eu não? Devo ser burra mesmo, não è? Ou seja, ninguem me obriga a ficar aqui como uma boba esperando um onibus que nunca vai parar. Eu escolhi…
Porém…
O jornalista normal nunca teria sido ajudado por um vendedor ambulante de bananas, na tentativa louca de parar o onibus certo (porque os onibus errados jà pararam todos, claro!).
O jornalista normal não teria brincado com o velhinho do outro lado da rua: “não brinca com o seu cabelo não moça. Ele è tão bonito, vai estragar ele”. ( E’, no entanto eu, morrendo de nervosa, começei a enrolar o meu cabelo furiosamente).
O jornalista normal nao teria, depois de ter subido finalmente no onibus certo, muito aliviado, começado a conversar com três moças da Rocinha, a maior favela do Rio de Janeiro, praticamente uma cidade na cidade, sobre a maldade do patrão delas, dono de um kiosque na praia na Barra da Tijuca.
O jornalista normal não teria tido tempo para olhar para fora da janela (jà queo onibis demora mais de uma hora, e faz a volta de todas as praias da Barra) e observar que o mar hoje é muito estranho,vomita ondas enormes e espuma branca.
De todos esses acontecimentos apenas o ultimo sera realmente importante do ponto de vista jornalístico (e muito). Mas eu tenho experimentado todos eles, e depois de chegar finalmente no Terminal Alvorada, e pedir informações para todo o mundo finalmente consigo entender como chegar: tenho que pegar o BRT Transcarioca até Rio 2. Quando chego me parece muito estranho ter chegado, então peço a um trabalhador do BRT para me confirmar. Sera que cheguei mesmo?
“Desculpe, para chegar ao Parque Olimpico?”
“Você quer ir para a estação do metro ou para as Olimpiadas mesmo?”
“Para as Olimpiadas mesmo” – respondo. Assim, por primera vez, vou chegar com muita antecedencia.
Atè que alfim, cheguei.
A tão falada Cidade Olimpica se abre na minha frente.
E depois de dois quilômetros de caminhada em baixo do sol, de ter batido um papo com os operarios (que ainda trabalham ininterruptamente porque as instalações sejam prontas pro dia 5 de agosto, o início dos Jogos), entro triunfalmente na praça do Estadio Acquatico.
E olho ao meu redor, à procura de todos os jornalistas normais que estarão aqui em alguns meses, quando tudo está pronto, quando o metro sera aberto, quando todos os olhos do mundo estarão olhando para o Rio de Janeiro.
Rio Cidade Olímpica.
Mas, por enquanto aqui estamos, só eu e uma praça deserta. Sem reparar começo a cantar uma musica italiana dos anos sessenta:
Tutta mia la città…un deserto che conosco
(toda minha a cidade…um deserto que eu conheço…)
Estar sozinha no meio de uma praça, dentro da Cidade Olímpica, é uma emoção daquelas de uma vez na vida, è um momento para gravar na memoria, e contar para os netos, daqui a muitos anos.
Por enquanto, como não tenho netos ainda, vou contar para vocês, que pacientemente ficaram comigo até aqui. Estar aqui hoje, para mim, significa traçar a mapa de um caminho (não muito linear, como você viu), mas pontilhada de acontecimentos inesperados, aventuras, descobertas, encontros casuais, histórias aparentemente insignificantes, mas que merecem ser contadas. Histórias que fazem parte de um modo de vida, uma cultura, um mundo que o jornalista normal, que vira cubrir o evento olímpico (ou paraolimpico, como no meu caso) não vai viver nem enxergar, ou só em parte . E eu tenho a grande sorte de viver cada dia.
E mergulho, com cabeça leve, dentro do Estadio Acquatico
“Jornalista?” – me perguntam na entrada.
“Claro”, respondo.
Mas sei que nunca vou ser uma jornalista normal.
No torneio Caixa Internacional participaram 212 atletas de 19 nacionalidades diferentes, e Brasil totalizou 66 medalhas em três dias.
Decidimos não contar no detalhe o que aconteceu dentro do Estádio Aquático, mas fiquem tranquilos! O mistério só vai durar até 7 de setembro, quando vamos entrar de verdade, todos juntos.
Ah … uma triste explicação. Porque eu escrevi que o fato do mar estar muito brabo tinha relevancia de um ponto de vista jornalistico?
Enquanto eu estava dentro do Estádio Aquático, uma onda enorme abateu um trecho da ciclovia Tim Maia, na Avenida Neymeier, na Zona Sul do Rio. Duas pessoas morreram, e houve vários feridos e desaparecidos. Inaugurada há alguns meses, em janeiro, a pista tinha custado 44 milhões de reais (10 milhões de euros). Era considerada a obra mais linda entre aquelas para Rio Cidade Olimpica.