Sim, Histórias Paraolímpicas tem um esporte favorido.
O esporte mais chato do mundo
O nosso primeiro encontro com esse esporte foi quando um atleta da Andef de Niterói nos convidou a chegar mais perto para ver ele jogar a bola: “esse è o esporte mais chato do mundo” – falou naquela hora. ” Pelo menos até que você não entra nele” – ele adicionou com um sorriso. “No começo eu não gostava mesmo, não queria jogar, tudo o que eu queria era sair. Mas fiquei, e na hora em que participei do primeiro torneio, fiz amizade com os demais integrantes da equipe, continuei jogando minha bocha, entendi que eu estava me apaixonando, realmente”.
Um novo esporte
A história de Mauro Perrone com a bocha é uma história de mudança: de esporte e de vida. Mauro é um atleta de Milão. Com o seu clube esportivo ASD Superhabily organizou, em 17 e 18 de Outubro de 2015, o primeiro torneio por equipes de bocha paraolímpica em Itália. Até três anos atrás ele praticava atletismo, “depois fui fazer Erasmus em Barcelona, e queria tentar um esporte diferente, um esporte que só fosse dedicado as pessoas com deficiência motora grave e muito grave, que, mesmo nos esportes paraolímpicos são sempre, de uma certa forma, marginais”. Em Barcelona, ele conheceu este “novo esporte”, que na verdade é a disciplina Paraolímpica desde 1984, e é internacionalmente conhecido pelo seu nome italiano, BOCCIA, mas não é muito comum em nosso país.
“Por que a Itália nunca participa em torneios internacionais?” – nos perguntavam um após o outro atletas, treinadores, árbitros e assistentes em novembro de 2014, no Campeonato Brasileiro em Águas de Lindóia, no estado de São Paulo. Naquele dia assumimos o compromisso de descobrir esse porque, mais cedo ou mais tarde, e o encontro com Mauro para nós é uma oportunidade para fazer isso.
“Quando eu voltei de Barcelona, no outono de 2013, eu queria tentar espalhar este esporte, e comecei antes de tudo um trabalho de rede entre as equipes que já existiam, que eram, na verdade, muito poucas. Tinha Trieste, uma equipe feita por apenas dois rapazes, que já existia desde 1992, Cagliari, com um clube desportivo operativo há um par de anos, e Turim. Eu fui falar com o CUS também, que por sorte me permitiu o uso do ginásio, onde podemos treinar de graça. Chamei um grupo de rapazes com deficiência de Milão e assim nasceu a nossa equipe, Superhabily, com a qual treino ainda hoje. Agora se sumaram 4-5 atletas, com idade entre 20 a 35 anos, além de 4-5 crianças de Magenta, o futuro da equipe. Há também uma menina de 9 anos de idade, que fez o teste nesses dias. Muito poucas dessas pessoas faziam algum esporte antes. A bocha é boa pra envolver exatamente esse tipo de pessoas, que em geral é difícil envolver.. Isso, na minha opinião, já é uma vitória. “
Uma equipe para cada região
Em janeiro e maio de 2014 Liliana, a técnica argentina que Mauro conheceu em Barcelona veio na Itália, com o apoio da Federação, e realizou umas capacitações, por meio das quais Mauro vira um treinador. Na mesma época nascem outras equipes em outros lugares, gerando no final um mundo povoado de mais ou menos 30 atletas em toda a Itália. De acordo com Mauro, porém, só nos últimos meses o movimento está conseguindo crescer de verdade. Em maio de 2015 foi organizado, sempre por a associação Superhabily, o primeiro torneio individual, completamente gerenciado e auto-financiado pelas equipes participantes. Em outubro teve o primeiro torneio por equipes.
Mauro, que se formou em julho em Direito na Universidade de Milão Bicocca e agora está em busca de seu primeiro emprego, tem o sonho de trabalhar no campo da promoção de esporte para as pessoas com deficiência. Sua idéia é estabelecer uma parceria com o CUS para envolver o maior número possível das 100 pessoas com deficiência matriculadas nas universidades de Milão, através da criação de equipes do CUS em várias disciplinas, com foco naquelas que não precisam de equipamentos muito caros.
As qualidades escondidas
Promover o esporte para o Mauro significa também retornar para o esporte o que ele lhe deu: “mudou a minha vida. Comecei aos dezesseis anos, correndo. Correndo … por assim dizer! Eu fazia os 100 m em 55 segundos. Mas essa experiência me permitiu conhecer outras pessoas, socializar, e sobretudo ganhar confiança. Eu tive muita sorte, porque eu sempre tive o apoio da minha família e amigos. O esporte é uma maneira de crescer juntos. Estudos médicos mostram que uma pessoa socialmente ativa e que faz esporte goza de boa saúde, e então tem até menos impacto sobre os custos da saúde pública. A bocha, entre os outros esportes, é boa para as pessoas que têm problemas para mexer os quatro membros, e as vezes até podem jogar a bola com outras partes do corpo, por exemplo com a cabeça. Isso mostra as qualidades escondidas das pessoas. Eu conheci um monte de pessoas que podem ter dificuldade de falar, de expressar-se, mas quando você coloca eles num jogo de bocha conseguem jogar de uma forma que surpreende”.
Como uma família
O esporte, então, é também uma maneira de se comunicar, um dos meios infinitos para fazer uma pessoa se expressar melhor. Uma maneira de encontrar a si mesmo e aos outros: “nas competições, por exemplo, a gente parece uma família: jogadores, treinadores, árbitros, todos se conhecem. São momentos muito alegres, bons de compartilhar. Em 2014 participei de um campeonato em Barcelona. Fomos eu, que tinha a vantagem de conhecer a língua, e a Carlotta, uma menina de Turim, classe BC3 (aquela que joga com a calha) muito jovem, nasceu em 1995, uma menina que leva muito jeito pra jogar. Nos sentimos muito bem-vindos, e nós caímos em um ambiente que era ao mesmo tempo familiar e profissional. Muitas vezes o filho jogava, o pai era treinador, a mãe árbitro, todo mundo perfeitamente em seu papel sem estragar a atmosfera maravilhosa do momento. Gostaria de criar essa atmosfera aqui também, e eu acho que, em parte, já conseguimos isso. Esse último torneio durou apenas um dia, e aconteceu na Cidade do Esporte do CIP, um lugar lindo, com muitas pessoas passando “. E quem sabe, talvez algumas delas, ao passar, pensaram que a bocha é o esporte mais chato do mundo. E talvez amanhã algumas delas vao começar a jogar, e talvez algumas outras se apaixonaram mesmo da bocha.