O scrum maior do mundo
Na opinião do Alexandre Keiji Taniguchi, atleta da ADEACAMP de Campinas e da Seleção Brasileira, o rúgbi em cadeira de rodas é parecido ao rúgbi convencional também para “o espírito que existe entre os adversários, que apesar da competitividade e intensidade durante o jogo, se tratam com muito respeito e amizade fora Eu acho muito importante manter a ligação entre as duas modalidades, porque uma pode ajudar a divulgar a outra. Pelo menos no Brasil, algumas modalidades não possuem muito espaço na mídia, e um ajudando o outro pode fazer as duas crescerem”. Como aconteceu no dia 24 de outubro no estádio de Ibirapuera, antes das semifinais do principal campeonato de rúgbi do país. A ocasião foi a tentativa, por iniciativa da Federação Brasileira de rúgbi de quebrar o recorde do scrum maior do mundo, tentativa que envolveu mais de 1000 pessoas.
“O Comitê Paralímpico Brasileiro me convidou para dar o primeiro chute. O record não foi quebrado, mas foi uma ação muito legal que atraiu muita gente para conhecer as modalidades. Gostei muito de ter participado e levarei essa união que existe dentro da comunidade do rugby”.
Regras diferentes, mesmos caminhos
Na Itália também a história do rúgbi em cadeira de rodas é ligada ao rúgbi, não só por causa do nome. Explica o Rufo: “teve uma época, mais ou menos 7-8 anos atrás, que o rúgbi começou a ganhar maior popularidade, especialmente a Seleção, com um número sempre maior de pessoas envolvidas. Eu acho que foram mesmo essas pessoas que estavam na área do rúgbi convencional que se abriram ao wheelchair rugby. A maioria dessas pessoas ainda estão dentro do movimento, e muitas vezes trabalhamos para juntar os eventos de rúgbi com aqueles do rúgbi em cadeira de rodas”. Como o jogo Itália – Irlanda que aconteceu em Roma no dia 7 fevereiro de 2015, o mesmo dia do mesmo jogo do torneio seis nações.
O nosso país tem hoje times de rúgbi em cadeira de rodas em 5 cidades: Padova, Vicenza, Trieste, Roma e Milano. O maior número de pessoas que jogam estão no nordeste, em uma região chamada Triveneto, na mesma área onde nasceu e se desenvolveu mais o rúgbi convencional. Desde os anos oitenta tem até uma Seleção regional, os Dogi, e agora foi formada uma seleção regional de rúgbi em cadeira de rodas também. “A modalidade se desenvolveu mais nessa área porque tinha mais pessoas que podiam ajudar. No rúgbi somos quase todos tetraplégicos, e então precisamos de bastante ajuda, para subir na cadeira etc. No norte da Itália tem mais cultura do social e atenção aos serviços. Porém, a gente, aqui em Roma não quer de jeito nenhum ficar por trás, e então criamos um time aqui. A cidade tem um monte de potenciais atletas, pessoas que poderiam se adaptar muito bem a esse esporte”.
De Roma para Stoke Mandeville
O Rufo teve um acidente 4 anos atrás. Pulou no mar, na Corsica e quebrou a quinta vertebra cervical. “Fiquei por um tempo internado na Itália, e depois fui transferido em Stoke Mandeville, perto de Londres, onde as Paraolimpíadas nasceram. Desde que cheguei ai melhorei muito, e então começou minha reabilitação. Eles tentam envolver as pessoas no esporte desde o começo, e isso não faz bem só para o corpo mas também de um ponto de vista psicológico”.
A paixão do Rufo para o rúgbi começou ali: “na hora me fizeram a proposta de fazer esporte dentro do hospital. Eu nunca tinha pensado que ainda poderia fazer esporte, tinha a ideia que qualquer tipo de esporte fosse incompatível com a minha nova condição. Quando voltei na Itália, depois de ter feito algumas mudanças na minha casa para que fosse acessível, resolvi criar um time de wheelchair rugby em Roma. Depois de 20 meses passados em hospitais não queria mais ouvir falar de centros de reabilitação ou outros lugares assim, mas tinha a consciência que precisava me mexer, e também estava precisando de conhecer outras pessoas em cadeira de rodas, fora dos lugares onde os tinha encontrado até aquele momento: os hospitais, onde tudo o que você compartilha com os outros é o azar. Foi um desafio, porque esse esporte não é nada fácil para praticar, ainda mais para o meu nível de lesão, que é alto. Preciso de ajuda sempre, para colocar luvas, subir na cadeira e tudo mais, mas uma vez que estou em cima da cadeira fica comigo: empurrar e ser eficaz no jogo”.
Animado do desafio, do hospital o Rufo entra em contato com as pessoas que jogam rúgbi em cadeira de rodas em Itália, descobrindo que já tinha uma Seleção italiana desde 2011. “Perguntei para o team manager Claudio da Ponte se tivesse alguma pessoa em Roma com a qual eu poderia entrar em contato para criar um time. Encontrei um rapaz que tinha feito uma dissertação sobre a modalidade. Depois encontrámos outras pessoas e começamos a treinar”. Hoje Rufo não treina mais com a mesma associação, e tem o projeto de criar outra. “Desde quando descobri que eu podia jogar rúgbi em cadeira de rodas esse esporte virou uma parte fundamental dessa minha segunda vida. Gosto do fato que consigo envolver nisso minha família também. Meu objetivo é aquele de ser um jogador cada dia melhor, apesar da idade (já tenho 38 anos) e de jogar até quando conseguir”.
Alexandre tinha 21 anos quando sofreu o acidente, um pulo na piscina num dia de churrasco, e cursava engenharia na Unicamp, em Campinas. “Após o período de reabilitação e adaptação com a nova condição física, eu comecei a praticar o rugby em cadeira de rodas em 2008. No fim daquele ano, eu tive a minha primeira convocação para a Seleção Brasileira. Desde então eu tive a sorte de conhecer muita gente e trabalhar com muitas pessoas que me ajudaram a crescer como atleta e como pessoa. Sejam companheiros de time ou profissionais de diversas áreas que se envolveram com a modalidade de alguma forma. O rugby me deu oportunidade de conhecer diversos lugares e pessoas ao redor do mundo, oportunidades que talvez eu não teria se não tivesse me acidentado”.
“A atividade física – continua o Alexandre – já é recomendável para qualquer pessoa, seja ela com deficiência, ou não. Por isso acho que a importância do esporte na vida dos atletas com deficiência, é muito grande. Além dos benefícios na saúde, tem o convívio social, que muitas vezes muda completamente para uma pessoa que sofreu algum tipo de acidente”. E que o esporte pode ajudar a reconstruir. Diz o Rufo: “antes do acidente nunca gostei muito dos esportes de grupo. Agora entendo melhor o que significa ser um time. A equipe chega onde eu não chego mais, porque agora faço muito menos do que fazia antes, e muitas vezes preciso de ajuda. Eu acho lindo que num time cada um tenha seu papel, e eu tento desenvolver o meu o melhor que posso, com o objetivo de ajudar o companheiro, que tem um grau diferente de deficiencia e pode fazer mais coisas do que eu. Mas apesar de ter uma pontuação baixa e um grau de deficiência maior dos outros eu também posso fazer algo…”
m grau de deficiência maior dos outros eu também posso fazer algo…”
Devolver para o esporte
O objetivo do Alexandre é aquele de representar seu país do melhor jeito possível nas competições futuras. Como as Paralimpiadas de Rio 2016, onde o time brasileiro já está classificado por ser nação acolhedora dos jogos. Outro objetivo é “poder ajudar de alguma forma esse esporte que me ajudou bastante na minha vida”. Nos últimos jogos o Alexandre vestiu a faixa de capitão da Seleção, mas “na verdade somos dois capitães, e eu sou um dos dois. O futuro nunca se sabe…” – diz sorrindo.
Para o Rufo é também uma questão de categoria: “os tetraplégicos são pessoas que levaram um pouco menos de sorte do que os outros, então precisam de mais atenção. E aliás, a gente não pode esquecer que têm muitos tetraplégicos que não conseguem mexer os braços de jeito nenhum, ou então precisam ser conectados a maquinas para poder respirar. Esse esporte pode servir para eles também, para contar as histórias deles. Do meu ponto de vista pessoal, gostaria que fosse também uma forma de divulgar a pesquisa sobre as lesões da coluna, por que eu acredito que isso seja possível, e tem muitos pesquisadores trabalhando nisso e chegando cada vez mais perto de soluções. Isso serviria para todos: paraplégicos, tetraplégicos e também aquelas pessoas forçadamente paradas na cama, e que precisam de ajuda até para respirar. Estas pessoas têm expectativas de vida de mais ou menos 10 anos, então eu penso que seja urgente encontrar cura para essas lesões. Não todo o mundo concorda, nem entre os tetraplégicos mesmo.
“Algumas pessoas – continua o Rufo – conseguem chegar a um grau de autonomia e independência satisfatório, apesar dos problemas ligados por exemplo as incontinências, as dores etc. Essas pessoas falam: a cura não existe de verdade, e de qualquer forma eu não vou chegar, na minha vida, a ver os resultados. Melhor me adaptar. De um ponto de vista humano podem até estar certos, porém eu acredito que cada um de nós tem a responsabilidade de pensar nos outros também. Talvez tenha também pessoas que estão com medo em se iludir demais. Eu pessoalmente sinto que tenho muito pouco a perder. No máximo vou ficar assim mesmo, do jeito que sou agora. Meu compromisso no esporte está relacionado a isso também. Eu acho que é preciso falar disso…”.
De Roma, a Stoke Mandeville, a Campinas, a Rio 2016 ida e volta.
Obrigada ao Anselmo pela ajuda, ao Rufo, que me abriu as portas da casa dele. Obrigada ao Alexandre por ter sido tão rapido em responder e a Mauana Simas que me falou du rugbi em cadeira de rodas pela primeira vez.